O INVENTÁRIO E TESTAMENTO DE FRANCISCO DE ASSIS MONTEIRO BREVES, UMA HISTÓRIA SEM FIM
Agraciado por decreto de 1881, pelo governo imperial com o titulo de Barão de Louriçal
O barão de Louriçal elaborou seu testamento em 1894, dispondo suas últimas vontades. Nele registrou o relacionamento com algumas de suas ex-escravas e reconheceu a paternidade de determinados filhos delas. Alegou:
"Que por fraqueza humana teve com suas ex-escravas, de nomes Generosa, Virgínia, Amélia, Benvinda, Lourença (já falecida) e Balbina, diversos filhos os quais existem e são os de nomes Francisca, Maria, Roberta, Virgilio, Orestes, Gumercindo, Ernestina, João, Geraldo, Ignez, Cyrillo, Luiz e Rita, sendo os sete primeiros com Generosa, o oitavo com Virginia e o nono, digo, nono e décimo com Amélia, o décimo primeiro com Benvinda, o décimo primeiro, digo, segundo com Lourença e finalmente o décimo segundo, digo, terceiro, com Rita, os quais ele testador os reconhece como seus filhos como se fossem de legítimo matrimônio e os institui seus universais herdeiros".
Embora pareça que o barão preferisse a escrava Generosa, com quem teve sete filhos, é curioso observar que os outros seis filhos, com mães diferentes, tinham a mesma idade.
Como era esperado, nenhum dos herdeiros designados pelo barão tomou posse das terras ou das fazendas, sendo que a dos Alpes chegou, no início do século XX, às mãos da empresa Belgo-Mineira, que foi explorar as montanhas de mármore do lugar.
Além de reconhecer a paternidade e instituir como universais herdeiros aos seus filhos mestiços, o Barão também deixou legados para as mães deles – Generosa, Virgínia, Amélia, Benvinda e Balbina.
Os relacionamentos do Barão com suas mucamas foram simultâneos, uma vez que filhos tidos com mães diferentes tinham a mesma idade. De qualquer forma, Generosa devia ser a sua predileta, pois com ela teve sete filhos e para ela deixou a fazenda Porto Alegre, em Itaperuna, Rio de Janeiro, com todas as suas benfeitorias. Para todas as cinco ex-cativas com as quais teve filhos, e ainda vivas quando ele fez o testamento, incluindo Generosa, ele legou os remanescentes de sua terça. Sua propriedade mais próspera era a fazenda dos Alpes (Mar de Espanha), que possuía cerca de 586 alqueires de terras, sendo 252 deles em matas virgens. A fazenda era muito bem equipada e tinha milhares de pés de café.
Não foi melhor a sorte dos filhos negros do Barão de Louriçal, por ele reconhecidos em testamento e habilitados para herdarem seus bens, e de suas ex-mucamas, para as quais deixou verbas testamentárias.
Em seu testamento registrou o relacionamento com algumas de suas escravas e reconheceu a paternidade de determinados filhos delas. Apesar do inventário ser constituído por quatro grossos volumes, recheado de prestações de contas do tutor e inventariante e de inúmeras petições dos interessados – fazenda pública, advogado do inventariante, dentre outros – o final desta história não está nitidamente revelado. De concreto, contudo, documentos que deixam evidentes as dificuldades que os herdeiros enfrentaram na defesa de seus direitos. Em benefício da investigação vale dizer que não somente herdeiros negros se viram em dificuldades e travaram conflitos acirrados com seus tutores e com os inventariantes em defesa do patrimônio, principalmente quando o passivo comprometia a herança. Órfãos. Os nomes dos filhos eram: Francisca 14 anos, Ernestina 10 anos, Maria 6 anos, Roberto 9 anos, Virgílio 17 anos, Orestes 15 anos, Gumercindo 1 ano, João 4 anos, Geraldo 4 anos, Ignez 8 anos, Cyrillo 4 anos, Luiz 8 anos e Rita 12 anos, (1895). Quando da abertura do inventário, (arquivado no Fórum Dr. Geraldo Aragão Ferreira, Inventário post-mortem do Barão de Louriçal, 1894, caixa 110-111, fls. 5f/v e 18 f/v). Em petição juntada ao processo de inventário, de 1905, os filhos do Barão de Louriçal assinam seus nomes acompanhados do sobrenome Louriçal. Que adotaram os nomes de: Virginia Narcisa, Amélia Antonia, Benvinda Julia Maria da Conceição, Balbina Ritta de Souza e Generosa Helena da Conceição. (Fórum Dr. Geraldo Aragão Ferreira Inventário post-mortem do Barão de Louriçal, 1894, caixa 110-111, vol. 4 fls. 1514). 160 alqueires de terras em cafezais novos e velhos a 200$ = 32:000$; 110 alqueires de terras em capoeiras a 350$ = 38:500$; 10 alqueires em pastos valados a 200$ = 2:000$; 50 alqueires em terras inferiores a 100$ = 5:000$; 4 alqueires em mata virgem a 1:000$ = 4:000$; 252 alqueires em matas a 350$ = 88:200$.
Em geral os herdeiros eram lesados, embora em tese o Juiz de Órfãos tivesse a obrigação de zelar pelo interesse deles.
No caso da herança do Barão de Louriçal, interessada em receber a parte que lhe era de direito, por meio do imposto de transmissão de herança, a fazenda pública foi implacável em exigir do inventariante agilidade na conclusão do inventário. A este apelo o advogado do inventariante respondeu com argumentos de que a herança encontrava-se comprometida por muitas dívidas e que era necessário ter cautela e ouvir os conselhos do tempo. Pediu paciência aos homens da lei, pois agir com pressa era, no caso, comprometer-se a ver a herança diluída ou diminuída. Mas a fazenda pública não se deixou comover pelos argumentos, propôs a liquidação do inventário, estabeleceu o valor dos impostos de cada um dos herdeiros ou legatários e exigiu sua parte. A coletoria receberia os impostos devidos e quando ocorresse à partilha e encerramento do inventário novos ajustes seriam realizados.
Da liquidação apresentada pelo coletor verifica-se que os bens foram avaliados em R$ 1:079:989$395 e que as dívidas passivas e as custas do processos de inventário somavam R$ 246:432$645. Portanto, o monte partilhável correspondia a 833:556$750. Retirada a terça parte, da qual o Barão dispôs em testamento (R$ 277:852$250), sobrou para ser dividido entre os 13 herdeiros R$ 555:704$500.
Nos contra-argumentos do advogado do inventariante encontram-se os primeiros indícios de que alguns dos herdeiros negros corriam o risco de serem lesados. O advogado alegou que o imposto sobre os remanescentes da terça, que seria dividido entre as cinco ex-escravas com as quais o Barão teve filhos, não estava correto. Na sua interpretação elas não eram herdeiras dos remanescentes da terça, mas somente usufrutuárias. Para ele o Barão teve a intenção de “constituir um legado simples para beneficiar as legatárias sem onerar a seus filhos instituídos.” Ou seja, após a morte de cada uma delas, os bens que lhes fora destinado voltaria ao monte para ser dividido entre todos os filhos-herdeiros do barão.
Se por um lado a interpretação do advogado, manifesta nesta frase, demonstra preocupação em defender o interesse dos órfãos, ela não deixa de ser lesiva às mães deles e aos seus respectivos filhos. A discordância entre o inventariante, representado por seu advogado, e a fazenda pública originou uma demanda judicial, da qual a coletoria pública saiu com sua versão vitoriosa.
Para infelicidade dos filhos mestiços do Barão de Louriçal, o tempo não foi bom conselheiro para o tutor e inventariante, visto que no correr de poucos anos a herança foi totalmente consumida. Em fevereiro de 1900, portanto cinco anos após a abertura do inventário do Louriçal, as cinco ex-escravas, legatárias dos remanescentes da terça e, uma delas, herdeira de uma propriedade agrícola em Itaperuna, Rio de Janeiro, juntamente com o testamenteiro, Luiz Eugenio Monteiro Barros, solicitaram a liquidação do inventário. Os quatro grossos volumes do inventário são formados majoritariamente dos documentos de prestação de contas, possivelmente em atendimento ao requerimento mencionado. Vistas e analisadas, o procurador observou que: “Baseado unicamente na probidade do inventariante, probidade que deve-se presumir enquanto não houver prova em contrário – aceito como verdadeiras”. As contas relativas a receita do espólio”. O mesmo entendimento ele não teve em relação às despesas, notando “que na maior parte têm unicamente para garantia de sua veracidade a probidade de quem as organizou”. Observou, todavia, que elas eram: exageradas (pagamento de salários muito acima do convencional), supérfluas e luxuosas, lançadas sem documentos ou com documentos irregulares. E concluiu: “não deixando, entretanto, de lastimar que esta prestação de contas tenha se fechado com grande déficit contra o espólio, déficit que reunido a outros, concorrerão com outras despesas já acumuladas para o irremediável desaparecimento do espólio, se por algum tempo ainda se demorar a transmissão deste inventário.”
O fato é que em 1900 o inventariante apresentou suas contas com um saldo de 675:445$431 contra uma despesa de 680:914$193.30. Na opinião dos herdeiros, a incapacidade e a conduta criminosa do inventariante, promoveram um caos verdadeiro e uma “perfeita e completa rapinagem”. E enquanto se movia o inventário a “trancos e barrancos”, tratou-se de tudo defender, isto é, o interesse da Coletoria Pública, dos credores, dos administradores da herança. Menos os direitos dos órfãos, e quando disso se tratava, o inventariante comparecia, como compareceu sempre, para sacrificá-los, confessando dívidas inexistentes (...) e mais abusos, sempre com intuito de sacrificar seus tutelados, a ponto de reduzi-los à miséria e desonra. O espólio deu para opíperas ceias, cômodas viagens, belas caçadas, genuínas bebidas, festas pomposas, até hotéis para cães e tanto desperdício que seria enfadonho relatar e consta dos autos!
O testamenteiro do Barão de Louriçal foi o Coronel Luiz Eugênio Monteiro de Barros, parente do inventariante e tutor Antonio Eugênio Monteiro de Barros. Na opinião dos filhos do Barão os dois estavam combinados para prejudicar os órfãos. Os herdeiros do Louriçal alegam que 14.000 arrobas de café teriam sido suficientes para saldar as dívidas, e a fazenda dos Alpes produzia mais que isto. Também acusam o testamenteiro de “sem título que legitime a sua posse se acham com o testamenteiro, sem protesto do inventariante, e, ao contrário, com o seu consentimento, todos os móveis avaliados em vinte e tantos contos”.
Com base nestes argumentos, eles solicitaram a remoção da tutela e destituição do inventariante e nomeação de pessoa da família, ou estranho que aceitasse o encargo, para dar continuidade ao inventário. Deferida a petição, os herdeiros do Louriçal requisitaram sequestro dos bens, que haviam sido arrematados em praça pública pelo Coronel Luiz Eugênio Monteiro de Barros. Os arrematantes protestaram contra esta diligência ou outra qualquer que os privasse da posse que gozavam, havia muitos anos, da fazenda dos Alpes, que haviam arrematado em praça de um executivo hipotecário. Esta é a última petição anexada ao inventário, mas seus desdobramentos podem ser parcialmente recuperados na ação de sequestro de bens, que durante anos transcorreu na Justiça de Mar de Espanha e no Tribunal de Apelação do Estado de Minas Gerais.
Os herdeiros do Barão acusaram Luiz Eugenio Monteiro de Barros de ter obtido por cessão do credor (o Banco do Brasil) o crédito hipotecário contra a herança e tê-lo transferido para seus filhos, arrematando os bens da herança em praça pública. Argumentaram que desta forma o testamenteiro violou os preceitos das ordenações Filipinas, Livro 1, titulo 62 parágrafo 7 e artigo 232 parágrafo único do Código Penal. Estas leis estabeleciam que os testamenteiros não comprem nem hajam bens algum, nem cousa que ficou por morte dos testadores cujos testamentos fazem, por si, nem por interposta pessoa, para si ou para outrem, posto que os tais bens se vendam publicamente em pregão por autoridade da justiça. E fazendo o contrário a compra seja nenhuma, e a coisa comprada torne à fazenda do defunto, e o testamenteiro perca a valia da dita coisa e haver para si, direta ou indiretamente, ou por algum ato simulado, no todo ou em parte, propriedade ou efeito, em cuja administração, disposição ou guarda deva intervir em razão do ofício; entrar em alguma especulação de lucro, ou interesse relativamente à dita propriedade ou efeito. Caso estes preceitos fossem violados, determinavam as Ordenações que os bens arrematados deveriam ser retirados do poder do testamenteiro. Mediante o parecer favorável aos herdeiros do Louriçal, proferido pelo Promotor da Justiça, os filhos de Luiz Eugênio contra-atacaram, movendo uma ação de protesto, na qual argumentam que tem se feito tamanha vozeria em volta da arrematação da fazenda dos Alpes e é chegado o momento de se verificar se a questão vale a tinta que se tem gasto com o mar encoberto quem se sujeitar a mais violenta perturbação num estado de cousas que dura há mais de quatro anos.
A petição foi encaminhada por Miguel Eugenio e Edéia Monteiro de Barros, mas a referida fazenda havia sido arrematada por Luiz Eugenio para os filhos, além do já mencionados: Abel, Romualdo, Luiz e Maria Eugenia. Vide Inventário do Barão de Louriçal, 4º volume. Fórum Dr. Geraldo Aragão Ferreira, Ação de sequestro movida por Virgilio Louriçal e outros conta Luiz Eugênio Monteiro de Barros, 23 de novembro de 1905, caixa 02.
O advogado dos filhos de Luiz Eugenio defende o interesse de seus clientes argumentando que, em casos como o ocorrido, não se sustentava mais as determinações da ordenações Filipinas, e sim o do Código Penal, artigo 232, que determinava uma multa de 5% a 20% do valor do bem adquirido. Além do mais, demonstra que, de qualquer forma, quando ocorreu a arrematação dos bens, Luiz Eugênio já não era mais testamenteiro, função que esta que nesta ocasião estava a cargo de Octaviano Monteiro da Costa, marido de uma das filhas do Barão.
Desta feita, a ação foi favorável aos filhos de Luiz Eugênio, mas os herdeiros de Louriçal apelaram para o Tribunal da Relação do Estado.
Em 1911, Luiz Eugenio, anexou petição aos autos informando que arrematou em praça pública, em ação de execução movida pelo Barão de Guararema contra o espólio do Barão de Louriçal, os direitos e reclamações do espólio, tornando-se cessionário da mesma herança, em virtude disto, desistia da apelação da ação de nulidade de arrematação dos bens relacionados na ação de sequestro.
A partir deste ponto, não foi, ainda, possível conhecer os destinos dos filhos legitimados do Barão de Louriçal. Mas evidências apontam que além de terem visto a fortuna ser absorvida por dívidas e, principalmente, pela administração parcial do Antônio Eugênio Monteiro de Barros, que não somente não defendeu adequadamente os interesses de seus tutelados, mas contribui para consumir os bens, dando festas suntuosas e gastando com luxos – a vida dos herdeiros sob a tutela de Antônio Eugênio não foi das mais agradáveis.
Em outubro de 1898 uma carta anônima foi encaminhada ao delegado de Mar de Espanha acusando o tutor dos filhos do Barão de Louriçal de ser responsável pelo defloramento das moças, sendo que uma delas estava grávida. Foi realizado auto de corpo de delito em três das filhas do Louriçal, com idades de 15, 16 e 17 anos, comprovando o exame que uma delas de fato estava desvirginada e grávida de aproximadamente oito meses. A jovem acusou o concunhado do tutor, amigo da casa desde os tempos em que era vivo o Barão, de ser o responsável pela gravidez. Em seu depoimento declarou que fora seduzida com promessas de que o sedutor, homem casado, arranjaria para ela um casamento e a retiraria da fazenda, e que ela não seria mais obrigada a lavar roupas. Se herança era significativa e o tutor gastava com festas e luxos, a dar crédito ao depoimento da filha de Louriçal, os herdeiros não eram poupados de tarefas domésticas árduas. Também em relação aos legatários de Casimiro Lúcio, comentado acima, houve denúncias de que uma das meninas herdeiras servia de copeira na casa de fazendeiro da região e que um dos meninos trabalhava de carreiro, na lida no campo, e também neste caso, os gastos dos administradores do espólio foram suntuosos.